Marcelo Gonçalves Ferraz


A ANÁLISE FÍLMICA COMO RECURSO NA UTILIZAÇÃO DE OBRAS CINEMATOGRÁFICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA




O cinema, desde seus primórdios, em fins do século XIX, tem demonstrado ser um veículo importantepara a conquista de novos saberes, mesmo não tendo sido criado com esse objetivo. No limiar do século XIX, o cinema surgiu como mais uma inovação do espírito inventivo do ser humano. Entretanto, foi vítima de preconceito, uma vez que apenas as classes menos privilegiadas frequentavam os salões de projeção nas primeiras décadasdo século XX [COSTA, 2005; FERRO, 2010]. Segundo Costa [2005, p. 29], muitos dos primeiros cineastas eram mágicos que se utilizavam da câmera para truques de ilusionismo.

De acordo com Ferro [2010, p. 15], a partir do ponto em que o cinema se transformou em arte (anos 1920), os cineastas começaram a intervir na história, com seus filmes de ficção e documentários. Da mesma forma, os dirigentes das sociedades, após compreenderem a função que o cinema poderia exercer sobre as massas, tentaram apropriar-se do mesmo e colocá-lo a seu serviço.Apenas a partir da décadade 1960, o cinema começavaa ser cogitado como documento histórico, fato que levou o meio acadêmico à intensa discussão. Hoje, entretanto, o filme desfruta de “direito de cidadania” [FERRO, 2010, p. 09] nos arquivos e nas pesquisas históricas.

Para Rosenstone [2010],os filmes se tornaram o principal veículode transmissão de conhecimento histórico da sociedadeno século XX, afetando nossa forma de vermos o passado. Segundo o autor, para cada pessoa que lê um livro, milhões de pessoas verão o filme, o que torna o veículo fílmico mais abrangente no que se refere ao alcance da transmissão de seu discurso. O historiador norte-americano Mark Carnes é outro entusiasta da ideia da história contada pelas mídias fílmicas. Segundo o autor “A hora do livro [...] já era. Se a palavra impressa superou a tradição oral, o cinema e a televisãoeclipsaram a supremainvenção de Gutenberg” [CARNES, 1997, p. 09].

Entretanto, a mídia fílmica, enquanto ferramenta do processo ensino-aprendizagem de história, necessita de um tratamento diferenciado. A sua utilização como simples ilustração desprestigia as pesquisas acadêmicas, além de confundir o educando, que tende a entendê-lo como verdade, devido ao seu “efeito do real”, próprio das imagens em movimento. O professor de história que tenha interesse em utilizar obras cinematográficas em sala de aula tem a obrigação de buscar um conhecimento mínimo sobre teoria do cinema, bem como crítica e análise fílmica.

Não que se deseje transformar o professor em cineasta, mas que o torne apto a reconhecer o discurso não-visível na tela, auxiliando seus alunos a desenvolverem a criticidade esperada. Valim [2012,p. 283] chama a atenção para a necessidade, dentrodo campo da pesquisa em cinema e história, de que, embora muitos historiadores reconheçam a necessidade de compreensão dos filmes, poucos decidem estudar o aparato teórico dos estudos dessa arte. O que constitui um obstáculo para o pleno desenvolvimento das pesquisas.

Cinema como ferramenta pedagógica no Ensino de História

Um veículo tão poderoso e sedutor como o cinema não poderia deixar de ser utilizado como instrumento pedagógico. Vários autores do campo da pedagogia e educação têm se dedicado a estudar as mídias fílmicas como ferramentas no processo ensino-aprendizagem nos últimos anos.

Para Duarte [2009], a educação que é ministrada no interior da escola é vista como apenas uma das muitas formas de socialização de indivíduos humanos, como um entre muitos modos de transmissão e produção de conhecimento, de constituição de padrões éticos, de valores morais e competências profissionais.

A autora afirma ser inegável o fato de que muito da percepção que temos da história da humanidade talvez esteja irremediavelmente marcada pelo contato que tivemos com as imagens cinematográficas. Da mesma forma, muitas das concepções veiculadas em nossa cultura acerca do amor romântico, da fidelidade conjugal,da sexualidade ou do ideal de famíliatem como referência significações que emergem das relações construídas entre espectadores e filmes.

Ramos, Araújo e Souza [2012] observam que a influência dos filmes não se restringe apenas ao lazer e ao entretenimento. O cinema se tornou espaço de estudos, análise e pesquisa. Os filmes, hoje, são fonte de investigação de problemasde ordem educacional. Entretanto, o cinemaainda necessita ganhar ênfasemerecida no meio educacional como instrumento didático, por conseguir ensinar a respeito de valores e crenças de diferentes sociedades.

As autoras também observa que a escolavem perdendo espaçocomo único agentede formação intelectual na atualidade. Os educandos chegam ao espaço escolartendo um contatoanterior com a linguagem audiovisual, pois a televisão e o vídeo já fazem parte da vida dos mesmos, desde a tenra idade.

Para Domingos [2015], a análise de um filme nos permite entrar em outra dimensão do conhecimento e entender como a narrativa fílmica constrói essas novas representações, pois o filme serve para exercitar o ser humano em novas percepções. Assim, a mídia fílmica possibilita o encantamento e a reflexão, levando-nos a perceber na tela o que não percebemos na vida comum. Dessa forma, somos permitidos a estabelecer novas relações. Os filmes deixam de servir como meros objetos de entretenimento e tornam-se “[...]objetos de compreensão, análise e interpretação histórica em sala de aula” [MACHADO, 2015, p. 09].

A prática na sala de aula requerdo professor um trabalho constante, e a utilização de diferentes veículos pode tornar o processo de aprendizagem mais interessante para o aluno [BENADET; CASTANHA, 2013]. Dessa forma, os filmes surgem como opção atrativa. O livro didático, merecedor de atenção e reconhecimento pelo professor, não pode ser responsável unicamente pela função de expor os assuntos a serem socializados em sala de aula, principalmente em um mundo globalizado e saturado por tecnologias de imagem como o nosso.

Segundo Ribeiro [2013], o livro didático – visto muitas vezes como o principal recurso disponível na sala de aula – não consegue dar conta do processo histórico. Dessa forma, a sua utilização deve ser associada a outros recursos, para que se atinja o escopo desejado. Segundo o autor, o livro didático “[...] é, muitas vezes, o principal recurso de que professores dispõem, mas [...] não é (e não deve ser tomado como) uma coletânea de aulas prontas a ser aplicadas” [RIBEIRO, 2013, p. 04]. O cinema, associado ao livro didático, bem como a uma bibliografia auxiliar, pode ser de grande auxílio nessa missão.

A análise fílmica como recurso na utilização de obras cinematográficas no Ensino de História

A melhor forma de interpretarmos a linguagem fílmica é através de sua análise. Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété (2012) discorreram sobre as formas como uma obra fílmica pode ser analisada. Segundo os autores, a análise fílmica é um construto variável, que não detém uma forma única de ser realizada. Enquanto a análise literária tenta explicar o escrito pelo escrito, a análise fílmica pretende discutir o que pertence ao visual e ao sonoro. O que não se constitui em uma tarefa de fácil execução, desmontando as diferentes esferas visuais e sonoras para recompô-las ao final da análise. Ou seja, analisar um filme é examiná-lo tecnicamente. Para isso é necessário ver e rever o filme várias vezes, pois “Não é possível conduzir [...] uma análise de filme apenas com base nas primeiras impressões” (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2012, p. 13).

Entretanto, qual a utilidade em se realizar uma tarefa tão extenuante? Segundo Ferro (2010, p. 31), “[...] mesmo controlado, um filme testemunha”. O historiador francês chama a atenção para os “lapsos” deixados conscientemente ou inconscientemente pelo cineasta. São esses lapsos que se constituem em verdadeiros reveladores do discurso ideológico inserido na obra fílmica. Daí a importância de o professor de história estar apto a conduzir uma análise fílmica quando da utilização de obras cinematográficas em sala de aula.

Ferro [2010], além de profunda análise sobre obras fílmicas utilizadas para legitimar a Revolução Russa, utilizou-se de críticas cinematográficas publicadas à época do lançamento das produções, como podemos observar em suas intervenções sobre Po Zaconu [1925] e Uplotnenie [1918], entre outros. O mesmo fez Rosenstone [2010], quando tratou da importância da narrativa histórica fílmica norte-americana.
Para Penafria [2009], analisar um filme implica decompô-lo para posteriormente compreender as relações entre esses elementos decompostos, resultando na interpretação da obra. Segundo a autora, enquanto a crítica tem por objetivo avaliar a obra, atribuindo-lhe juízo de valor, a análise é uma atividade fundamental sobre os discursos cinematográficos. Ou seja, o que determinado ângulo, cenário, diálogo, iluminação e som tem a nos dizer sobre a percepção histórica que o cineasta, em vários momentos inconscientemente, tenta nos induzir.

A título de exemplo, trago uma proposta de trabalho sobre as relações sociais no Sistema Feudal do século XI presentes no filme O senhor da guerra (1965) e utilizadas no 1º ano do Ensino Médio. Levando em consideração que para que seja realizada uma análise fílmica com objetivo de pesquisa histórica, não existem “[...] fórmulas prontas ou receitas previamente programadas” [VALIM, 2012, p. 298], mas devemos prestigiar alguns parâmetros no momento da análise: a numeração do plano, os elementos visuais representados, a escala dos planos, os movimentos, as passagens de plano, a trilha sonora e a relação entre imagem e som [VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2012, p. 65]. Esses elementos serão importantes no desenvolvimento de nosso trabalho.

O filme O senhor da guerra [1965] apresenta 45 sequências entre a abertura e o surgimento dos créditos finais. Cada sequência contém dois ou mais planos de filmagem. A sequência-plano, por sua vez, é constituída de um plano de filmagem apenas. Podemos observar a descrição das sequências na tabela abaixo:

Tabela 1: Sequências observadas no filme O senhor da guerra (1965)
SEQUÊNCIA
PLANOS
TEMA
INÍCIO
FIM
01
6 planos
Abertura
0:00:00
00:01:15
02
8 planos
Créditos iniciais
00:01:16
00:02:54
03
18 planos
A torre
00:02:55
00:04:06
04
26 planos
No bosque
00:04:07
00:05:32
05
100 planos
Ataque frísio
00:05:33
00:10:22
06
23 planos
Encontro com os servos
00:10:23
00:12:01
07
16 planos
Encontro com o clérigo
00:12:02
00:13:40
08
16 planos
Chegada à vila
00:13:41
00:15:01
09
13 planos
Entrada na torre
00:15:02
00:17:17
10
29 planos
O guarda morto
00:17:18
00:19:32
11
32 planos
No alto da torre
00:19:33
00:21:37
12
10 planos
De volta
00:21:38
00:22:01
13
76 planos
A caçada
00:22:02
00:25:37
14
14 planos
Servos no fosso
00:25:38
00:26:50
15
57 planos
Cavaleiros jantam
00:26:51
00:30:48
16
Plano-sequência
Chrysagon no alto da torre
00:30:49
00:31:13
17
32 planos
Cauterizando
00:31:14
00:35:12
18
40 planos
Treinando falcões
00:35:13
00:3:719
19
64 planos
Segundo encontro com Bronwyn
00:37:20
00:41:30
20
120 planos
O Senhor é o juíz
00:41:31
00:50:33
21
131 planos
Casamento pagão
00:50:34
00:56:16
22
61 planos
Entregando a noiva
00:56:17
01:02:49
23
11 planos
Marc revoltado 1
01:02:50
01:03:55
24
25 planos
Vigília noturna
01:03:56
01:05:57
25
Plano-sequência
O sol nasce
01:05:58
01:06:03
26
71 planos
Bronwyn fica
01:06:04
01:11:42
27
7 planos
Marc revoltado 2
01:11:43
01:11:209
28
2 planos
Lua de mel
01:12:10
01:12:20
29
20 planos
Marc vai procurar os frísios
01:12:21
01:14:06
30
10 planos
Serviço de quarto
01:14:07
01:15:09
31
10 planos
Os servos não trabalham
01:15:10
01:16:25
32
74 planos
1º ataque frísio
01:16:26
01:20:42
33
44 planos
Os frísios exigem o garoto
01:20:43
01:23:00
34
23 planos
Draco vai buscar ajuda
01:23:01
01:25:22
35
Plano-sequência
Bronwyn na torre
01:25:23
01:25:27
36
Plano-sequência
Chrysagon reza
sozinho
01:25:28
01:25:32
37
121 planos
2º ataque frísio
01:25:33
01:31:14
38
Plano-sequência
Chrysagon reza com o padre
01:31:15
01:31:18
39
Plano-sequência
Bronwyn
Na torre
01:31:19
01:31:24
40
160 planos
3º ataque frísio
01:31:25
01:37:39
41
11 planos
Bronwyn espera Chrysagon
01:37:40
01:38:32
42
122 planos
4º ataque frísio
01:38:33
01:43:52
43
126 planos
Retorno de Draco
01:43:53
01:51:59
44
114 planos
Chrysagon busca  redenção
01:51:00
02:00:02
45

Créditos finais
02:00:03
02:01:15

Além da descrição narrativa do filme, mostrando como o roteiro foi trabalhado em suas sequências e planos, apontando a representação de grupos sociais localizados no século XI, é necessário que se realize a análise fílmica, para que possamos atingir os objetivos propostos em sala de aula.

Para isso utilizaremos os conceitos de análise fílmica de Francis Vanoye, decompondo-o em seus elementos, estabelecendo elos entre os mesmos na tentativa de compreender como os mesmos se associam para fazer surgir a significação que o cineasta, conscientemente ou não, pretendia.

Trata-se da mesma decomposição defendida por Penafria [2009] e por Valim [2012]. Esse último deixa claro que “[...] o ideal no estudo da estrutura narrativa de um filme, ainda que muito trabalhoso, é fazer a análise detalhada dos diversos elementos que a compõe [...]” [VALIM, 2012, p. 296]. Entre esses elementos, Valim [2012] defende a importância da observação sobre o enquadramento, a iluminação, a montagem, o movimento, o ritmo, a música e os diálogos.

Tais elementos, elencados por Valim [2012], são chamados de substratos por Ferro [2010], que afirma a necessidade de se considerar as relações entre os diverso substratos, para que se chegue à compreensão da realidade que a produção representa, bem como da obra em si [FERRO, 2010, p. 33].

Tanto Ferro [2010], quanto Valim [2012], bem como Penafria [2009] e Vanoye [2012] defendem a possibilidade de análise de trechos, planos ou fragmentos. Segundo Penafria (2009), “[...] analisar um filme na sua totalidade afigura-se uma tarefa quase interminável” (PENAFRIA, 2009, p. 5). Ou seja, a análise pode se tornar um trabalho hercúleo e infindável. Dessa forma, escolhemos sequências do filme O senhor da guerra (1965) que representem o escopo de nosso trabalho, as relações sociais verticais e horizontais, presentes na sociedade feudal do século XI.

Tabela 2: Trecho 1
Sequência 1 de nossa tabela, contendo 6 planos. Abertura do filme. Duração: 1’’16”

DESCRIÇÃO
AMBIENTE
IMAGEM
SOM
PLANO 1
Exterior/ Dia/ Pântano
Plano detalhe do pântano, seguido de travelling para a direita. Zoom out e passagem para Grande Plano.
Narrador extradiegético em off:
“No século XI, a Europa era um conjunto de estados feudais que se estendiam desde o Mediterrâneo até o Mar do Norte. Poderosos duques decidiam a vida ou morte de seus primitivos súditos. Um deles, Guillermo de Ghent, guardava uma área costeira da Normandia.”
PLANO 2:
2”
Exterior/ Dia/ Cavaleiro
Contra-plongée em Chrysagon
“Para proteger [...]
PLANO 3:
Cavaleiros no pântano
Plongée por meio de grua nos cavaleiros que atravessam o pântano com a água na altura do tórax
[...]os pântanos de rebeldes, enviou guerreiros e seu melhor cavaleiro [...]”
PLANO 4:
Exterior/ Dia/ Cavaleiro
Retomada para o Plano 2
“[...] Chrysagon de la Creux.”
PLANO 5:
Exterior/ Dia/ Cavaleiros em marcha
Plano Geral. Os cavaleiros saem da água e tomam um caminho seco
“Este normando tinha como obrigação impor a vontade do Duque sobre seus vassalos e proteger as suas colônias dos invasores frísios [...]
PLANO 6:
Exterior/ Dia/ Cavaleiros em marcha
Plano geral. Os cavaleiros são observados por trás, em marcha, em direção à vila.
“[...] que atravessavam as águas para saquear e roubar.”

Análise do trecho:

O Plano 1 abre com um Plano Detalhe do pântano. O som, que surgiu inicialmente imponente, esmaece, passando a ideia de que aquele lugar fétido não é digno de musicalidade. A água borbulha. Há um castor roendo um tronco de árvore morta, sugerindo que ali repousa a decadência. A câmera abre, realizando um zoom out, permitindo que o narrador extradiegético nos introduza à trama. Agora, o pântano dá lugar a um Grande Plano Geral, mostrando os limites daquele feudo, que vão além do pântano.

No Plano 2, o narrador nos apresenta o protagonista, o cavaleiro normando Chrysagon de la Cruex, em um enquadramento chamado contra-plongé, que é realizado no sentido de baixo para cima. Esse ângulo de câmera é utilizado quando se espera dar uma maior importância ao que se está filmando, uma vez que o objeto filmado parece tornar-se maior. Com esse efeito, o cineasta pretendeu assegurar que o cavaleiro normando seria tomado em toda sua imponência e importância no contexto retratado.

O Plano 3 nos mostra exatamente o contrário. Por meio de grua, posicionando a câmera acima dos atores, o cineasta utilizou o ângulo plongé, de cima para baixo, mostrando os demais cavaleiros cruzando o pântano fétido com a água à altura da cintura. Indiscutivelmente, a linguagem cinematográfica expôs os lugares sociais das personagens inseridas na trama fílmica. Chrysagon é o líder do grupo de cavaleiros, tendo recebido aquela região como feudo, sendo, dessa forma, senhor daquelas terras e daqueles homens.

O Plano 4 retorna para Chrysagon de la Cruex, que observa seus homens atravessando o charco. Esse plano é rápido, serve apenas para complementar a informação presente nos planos 3 e 4. O plano 5 mostra os cavaleiros saindo do pântano e tomando um caminho seco. Podemos observar que alguns cavaleiros seguem a pé, outros a cavalo. No plano 6, o cineasta posicionou a câmera por trás dos atores, fazendo com que a luz e o ambiente pudessem criar um cenário poético. Aqueles homens cansados estão prestes a alcançar seu destino.

A abertura do filme, a Sequência 1, serve como introdução ao universo criado pelo roteiro, bem como nos situa no contexto histórico da civilização ocidental da Europa do século XI, dando-nos vários subsídios importantes, no que diz respeito ao ensino de história. A primeira reporta à fragmentação do poder, característica do sistema feudal, no qual o soberano cedia terras aos nobres, que as dividia entre outros nobres, multiplicando-se os laços vassálicos, pulverizando, dessa forma, o poder do rei. O cavaleiro de la Cruex tinha seus próprios vassalos, estabelecidos por meio de um forte sentimento de fidelidade. Outra informação importante refere-se à obrigação de la Cruex proteger as posses do duque.

Conclusões

A exibição de filmes nas aulas de História, sem um tratamento próprio para a mídia fílmica, não passa de entretenimento, uma vez que se resumirá a uma simples ilustração de como ocorreu o passado, um crasso erro advindo do conceito do “efeito do real”, presente nas mídias audiovisuais.

Por conta desses vícios de utilização, relegando a fonte fílmica a produto de consumo, torna-se urgente que o professor de história, que deseje utilizar os filmes em suas aulas, detenha o conhecimento mínimo sobre alguns aspectos do aparato teórico do cinema. A construção da criticidade do educando depende do arsenal de recursos colocados em disponibilidade pelo educador.

A linguagem cinematográfica, em geral, apresenta-se carregada de elementos sutis, passíveis de não serem detectados por seus leitores de forma semelhante. Dependendo, dessa forma, da capacidade de decodificação de cada um.

Apesar dessas dificuldades, o Cinema parece ter nascido para a História. Sua narrativa favorece o entendimento, desde que seja lido nas entrelinhas, independente da escola de origem de seu cineasta. Aquela invenção que servia de distração para os párias da sociedade da transição do século XIX ao XX, hoje é carregado de significados e simbolismos. Afinal, como bem disse o roteirista de A bela da tarde [1967], “[...] nossa visão do passado e talvez até nosso sentido de história nos chegam agora, principalmente, através do cinema” [CARRIÈRE, 2015, p. 05].

Referências:
Marcelo Gonçalves Ferraz é graduando em História (Licenciatura) pela UPE - Campus Petrolina.        

BENADET, Jane Márcia; CASTANHA, André Paulo. Cinema e história: uma experiência a partir do uso de recortes de filmes. In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor. Londrina: Secretaria Estadual de Educação, 2013.

CARNES, Mark Christopher. Passado imperfeito: a história no cinema. Rio de Janeiro: Record, 1997.

CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005.

DOMINGOS, Helena Paula. A mídia cinema e a formação de professores num contexto de fronteira. 6º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação. Universidade Federal de Pernambuco, 2015. p. 1-20.

DUARTE, Rosália. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

MACHADO, Arthur Versiani. Filmes históricos no Ensino de História. Jundiaí, SP: Paco, 2015.

PENAFRIA, Manuela. Análise de filmes: conceitos e metodologia(s). VI Congresso Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação. Lisboa, abr. 2009. p. 1-10.

RAMOS, Maria Aparecida Marinho; ARAÚJO, Rosiane Dias de; SOUZA; Ana Carmita de. Cinema e educação: reflexões teórico-metodológicas e didáticas. IV Fórum Internacional de Pedagogia. Campina Grande, PB: Realize, 2012. p. 01-10.

RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de história: perspectivas e abordagens. Educação em Foco, nº 07, set. 2013.

ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes, os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

VALIM, Alexandre Busko. História e Cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro: ELSEVIER, 2012. p. 283-300.

VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus, 2012.

15 comentários:

  1. 2. A ANÁLISE FÍLMICA COMO RECURSO NA UTILIZAÇÃO DE OBRAS CINEMATOGRÁFICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA
    Prezado Marcelo, em primeiro lugar lhe parabenizo pelo brilhante trabalho. Concordo plenamente que o professor que pretende utilizar os filmes como instrumentos pedagógicos deve ter um conhecimento mínimo sobre produções cinematográficas e se preparar com antecedência, ao analisar a obra detalhadamente, de modo a alcançar o entendimento histórico implícito na obra. A minha indagação é em relação ao ambiente adequado para a exibição dos filmes, a fim de que os alunos tenham a melhor experiência possível, tendo em vista que até os efeitos sonoros são importantes para a narrativa. Para isso, as escolas devem pensar em investir em equipamentos apropriados, especialmente de áudio e vídeo, para que esse recurso seja utilizado com mais constância e para que alcance melhores resultados?

    Atenciosamente.

    Rafael Milani da Costa

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    1. Prezado Rafael, obrigado pela participação.
      Seria maravilhoso se tivessemos um ambiente adequado para a exibição de filmes em nossas escolas públicas. Entretanto, essa não é a realidade. Como você bem colocou, preparar-se com antecedência é papel do professor, que vai mediar a mídia fílmica perante seus alunos, com o objetivo da construção do entendimento histórico, bem como com a formação de criticidade do discente. Como facilitador, o professor já deve ter desconstruído o filme, vislumbrado seus discursos ideológicos e dialogado com as mensagens visuais e sonoras do filme. Na hora da exibição isso tudo será muito importante para ajudar os alunos a melhor interpretarem a mensagem latente, e assim dialogar com o conhecimento histórico acumulado.

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  2. As considerações técnicas abordadas em seu trabalho para o ensino de História, fazendo o uso do recurso da cinematografia, aponta para a compreensão ou atenção por parte do professor de todos elementos visuais, sonoros, gestuais e simbólicos que constituem uma produção cinematográfica. Nesse intuito, gostaria de compreender os processos de escolhas dessas obras para ser aplicadas com os conteúdos, é preciso que haja diálogo entre ambos? Ou apenas recortes pontuais que contribuam com o assunto que estamos abordando em sala de aula?
    Ronyone de Araújo Jeronimo

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    1. Boa tarde, Ranyone. Obrigado por sua participação.
      O processo de escolha das obras deve ser baseado de acordo com a temática a ser abordada. Existe filme praticamente sobre tudo. Algumas temáticas com vários filmes. Outras temáticas, uma obra ou duas. Mas, sempre poderemos encontrar filmes sobre as mais diversas abordagens históricas. De acordo com os autores pesquisados o professor pode explorar recortes, sim. O mais importante é não utilizar a obra cinematográfica como "ilustração" de um passado. Seria mais interessante encarar a obra como uma possibilidade crível, e a partir daí construir um diálogo com as fontes impressas.

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  3. Olá Marcelo, bom dia.

    Cada vez mais sou adepto da utilização dos filmes em sala de aula, e tenho feito isso há tempos na formação de professores em um contexto universitário, tanto em sala de aula quanto orientando trabalhos de monografia na UPE/Petrolina. Tenho uma preferência por explorar a materialidade apresentada nos filmes, principalmente quando os mesmos apresentam uma construção histórica que envolve pesquisa e reconstrução histórica que permitem confrontar o que encontramos nas fontes de época com o que é representado nas telas.

    As minhas perguntas são direcionadas para o filme em si, "O senhor da guerra". São várias perguntas, pois, na minha opinião, vejo este filme em especial com um potencial muito grande para se trabalhar diversos aspectos do feudalismo. Na sua opinião, quais seriam as potencialidades deste filme para ser trabalhado na Educação Básica no que diz respeito à sociedade feudal? Quais aspectos você destacaria e trabalharia em sala de aula sobre as relações sociais que aparecem no filme? Em relação à paisagem do ambiente onde o filme é narrado, quais seriam as características que o aproximam à sociedade feudal que as fontes e bibliografias acadêmicas nos apresentam? E a última: depois de ter lido fontes primárias e secundárias sobre o feudalismo, quais seriam as críticas que você faria ao filme?

    Luciano José Vianna

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    1. Boa tarde, prof. Luciano.
      O filme "O senhor da guerra" tem um grande potencial a ser trabalhado em sala de aula. Prova disso é a importância que José Rivair Macedo deu à obra cinematográfica, em seu livro "Idade Média no cinema" (2009). Dentro de um contexto de educação básica eu indicaria as relações sociais representadas no filme, bem como a "disputa" entre o cristianismo e o paganismo. No que diz respeito às relações sociais, demonstraria as diferenças entre relações horizontais (entre os nobres) e verticais (entre o senhor e o servo). As características do ambiente no qual a trama do filme se desenvolve é rural, o que condiz com a literatura referente ao Sistema Feudal, e em relação a alguma crítica, baseada em leitura de fonte primária ou secundária, gostaria de elogiar o figurino (o cavaleiro protagonista está caracterizado se acordo com a Tapeçaria de Bayeux), as relações de vassalagem e a mentalidade dos cavaleiros e servos, condizentes com o que encontramos em diversas obras sobre o Medievo.

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  5. Boa tarde, Marcelo.
    Primeiramente, quero parabenizar pelo texto.
    É uma linha de pesquisa totalmente oposta ao que eu trabalho na faculdade, mas como futura professora, é uma excelente fonte para apresentar aos meus alunos. Porém, como citado no texto - e minha experiência quando cursei o ensino básico - na maioria das vezes, o filme como recurso didático é meramente ilustrativa e de entretenimento. Mas minha questão é em torno do material didático: por ser filmes históricos - especialmente do medievo-, eles costumam ser bastante longos, o que posso fazer para que o aluno não "despreze" o filme? O ideal seria fazer o recorte do filme a partir do conteúdo que quer se expor, como abordado acima? E, enquanto as distorções apresentadas pelos filmes, por exemplo os egípcios com tonalidade clara, como abordar essa problemática com os alunos? Que caminhos você proporia para ser adotado?
    Att. Maristela Rodrigues Lima

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    1. Boa tarde, Maristela.
      Essas questões que você levantou são muito pertinentes. Como sabemos, a duração de uma aula é bem inferior a de um longa-metragem. Dá um certo trabalho, mas você pode editar o filme, recortando as partes que estão mais ligadas ao que você pretende levar para a aula. Isso favorece a exclusão de cenas que podem conter nudez e violência excessiva para os discentes. Se você não quiser ter mais esse trabalho, durante o fichamento do filme você pode anotar o momento das cenas que você escolheu. As distorções apresentadas em um filme são um ótimo caminha para a discussão em sala de aula, uma vez que que o professor pode se apropriar do que está de acordo, entre o filme e o entendimento histórico, bem como sobre o que está em desacordo.
      Obrigado pela participação e um abraço.

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  7. Olá Marcelo, tudo bem?

    Parabéns pela explanação e os tópicos abordados em seu texto.
    Escrevo como uma "antiga" pesquisadora sobre Cinema e Ensino de História, desenvolvida na Graduação, enquanto membro do PIBID.
    Gostei das suas referências, relembrei textos e conheci novas fontes. Marc Ferro nosso eterno clássico dessa vertente, sobre ele, questiono como você trabalharia o conceito de "verdade" levantado por alguns dos seus textos.
    Veja, qual a "verdade" que eu vou analisar junto ao meu aluno? Seria a verdade do filme (aquela que ele nos faz acreditar) ou a verdade histórica? De que maneira posso unir essas questões, para se fazer uma análise fílmica consistente junto aos meus alunos?
    Na questão da análise fílmica, os termos são técnicos, entendo, que os professores precisam compreender a obra que irão exibir. Porém, entender plongée e contra-plongée, é problemático. Os cortes de cena, são questões mais avançadas para entusiastas da sétima arte. Gostaria de saber sua sugestão para que os professores pudessem compreender melhor essas questões, e assim repassar para seus alunos.
    Tive uma experiência proveitosa, em uma turma de terceiro ano, na qual, ministrei Oficinas para explicar as etapas de produção dos filmes, penso que isso, seria uma questão interessante para se explorar entre alunos e professores.
    Gostaria de saber a forma avaliativa, que você sugere para que os professores possam trabalhar com seus alunos, porquê nós estudiosos do Ensino de História e Cinema, sabemos que jamais o filme pode ser um tapa buraco em nossa aula.

    Atenciosamente:
    Krystila Andressa Costa da Silva

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    1. Olá, Krystila.
      Fiquei feliz com sua participação. Como você já tem contato com a temática, e a utiliza em suas aulas, fica mais fácil responder seus questionamentos.
      Quanto à "verdade", eu lembrei de uma colocação do Rosenstone, na qual ele defende que um filme tem tanta "verdade" quanto um livro. Ou seja, no final das contas, entre uma obra cinematográfica e uma obra impressa, o que as diferencia é apenas o seu veículo. Cada autor tem sempre uma ideologia latente que, conscientemente ou não, estará presente no texto ou na tela. O advento da Escola dos Analles por um lado ampliou o arsenal de fontes históricas, mas por outro, pulverizou o conceito de "verdade". A analise filmica que você fará perante seus alunos vai depender unicamente de você, de seus valores intrínsecos e de seu conhecimento sobre a temática. Daí a importância de não cairmos na tentação de utilizarmos o filme como "tapa buraco", como você lembrou.
      Não vejo a necessidade de o professor entender determinadas questões de teoria do cinema, geralmente de leitura difícil. Mas, enquadramento é essencial, uma vez que os ângulos utilizados podem falar muito sobre o discurso implícitos do cineasta (os "lapsos" tratados por Ferro). Defendo sempre o filme como ferramenta auxiliar na aula de História. O livro didático, o filme e textos auxiliares serão os instrumentos para planejar a aula sobre a temática escolhida.
      Um grande abraço.

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  8. Parabéns pelo trabalho Marcelo, vejo que sua analise foi bastante precisa.
    Ao ler o texto me veio uma pergunta que envolve a questão da "verdade" a qual discutimos na academia. Minha pergunta é: Na sua opinião e de acordo com suas leituras, como podemos fazer o aluno dissernir o que é memória e o que é representação em um filme?

    Att.
    Rafael Victor Soares Amaral

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    1. Bom dia Rafael.
      Obrigado por sua participação.
      O próprio trabalho com memória já é muito complexo Lembro de um texto do Carlos Fico, que tratava da utilização da memória, dentro do campo da fonte oral, no qual o entrevistado utilizava de memorias que nao correspondiam com os fatos históricos. Por outro lado, a representação cinematográfica está mais para uma reconstituição (como realizada por uma investigação policial) do que para uma reconstrução. Como assim? A representação pode chegar próximo de um acontecimento, mas nunca será um espelho do acontecimento. Daí a preocupação com o "efeito do real" discutido. Entre a memória e a representação, acredito, que devemos sempre forçar o diálogo entre a mídia fílmica e as fontes impressas. Da combinação entre as diferentes fontes é que poderemos chegar a uma construção de entendimento histórico crítico.

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